domingo, 3 de outubro de 2010

O Céu contesta

Corremos para lá, corremos para cá. Fazemos contas. Agitamo-nos. Isso para nós e para os que estão próximos a nós.
Se o nosso olhar se aventura por outras terras e por outros países, vemos problemas bem mais agudos e gritantes: a fome, a doença… a falta do mínimo para se viver. E se guardamos um pouco de generosidade no coração, temos vontade de fazer alguma coisa também por eles.
Depois, pode acontecer de lermos por acaso palavras pouco comuns que — logo percebemos — não vêm da terra nem da multidão que nos cerca e que tão bem conhecemos. Elas dizem: “Não vos preocupeis com a vossa vida, quanto ao que haveis de comer; nem com o vosso corpo, quanto ao que haveis de vestir; […] são os gentios que estão à procura de tudo isso […]. Buscai, em primeiro lugar, o Reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mt 6,25.32-33).
É uma suave contestação que o Céu faz à terra, que Deus faz aos homens, e abre os olhos deles para saberem que têm um Pai que cuida deles.
É preciso, então, continuar correndo, fazendo, trabalhando, ocupando-se, agitando-se?… Sim, mas por um outro motivo: para procurar não o pão, roupas ou dinheiro, mas o Reino de Deus em nós, o que significa esforçarmo-nos por cumprir não a nossa, mas a sua vontade.
O Evangelho diz bem: o resto será acrescentado. Vem justamente assim: inesperado. Chega em casa e dizemos: “É a providência !” Esta é a doce experiência de todos os cristãos coerentes.
Compreendemos, então, através da nossa vida que, se os nossos pequenos problemas encontraram uma resposta, a melhor solução para os grandes que atormentam a humanidade será encontrar o sistema mais eficaz para o mundo conhecer e viver o Evangelho.
Foi-nos dito para que pregássemos a todos: “Não é a vida mais do que o alimento e o corpo mais do que a roupa? […] Aprendei dos lírios do campo, como crescem e não trabalham e nem fiam. E, no entanto, eu vos asseguro que nem Salomão, em toda sua glória, se vestiu como um deles” (Mt 6,25.28-29).
Nos tempos atuais, mormente nos países necessitados, muitas vezes se dá maior ênfase aos problemas sociais, aos quais se envidam todos os esforços como expressão também religiosa da vida.
Saciar a fome e vestir os nus é evangélico. Mas essas ações, consideradas em si, nem sempre revelam a mensagem de Cristo em toda a sua beleza; aliás, podem deturpá-la, de um certo modo, pois semelhantes atos podem deixar quem recebe com complexo de “beneficiado”, enquanto o Evangelho leva o homem, todos os homens, à mais alta nobreza, a serem filhos de Deus.
O Evangelho é um todo e não podemos vivê-lo e entendê-lo realmente, em suas partes, se não o conhecermos e vivermos no conjunto.
O principal remédio para os problemas, inclusive terrenos, dos países pobres é e continua sendo o anúncio do Evangelho. É preciso que todos os homens conheçam Cristo, procurem seu Reino e sua Justiça. Então o resto, todo o resto, virá por acréscimo também para eles.

Chiara Lubich

Publicado em Ideal e Luz, ed. Brasiliense/Cidade Nova, 2003

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