sexta-feira, 11 de junho de 2010

VOLUNTARIFEST – 14/09/2006 - Pílula 10

Etta: Mudemos de continente e vamos ao Brasil.

Amauri, sabemos que viveu uma dura experiência. Poderia contá-la para nós?

Amauri: Miriam e eu estávamos casados há 17 anos e tínhamos quatro filhos, quando me dei conta da sua profunda mudança em relação a mim. Muitas vezes se ausentava de casa por causa do seu trabalho como assistente social numa entidade do Governo que se dedicava aos adolescentes abandonados. Depois de alguns meses descobri que tinha uma relação com um seu colega.

Foi um momento terrível: vi desmoronar a nossa relação, a família, a minha vida. Senti-me traído, profundamente ferido no meu orgulho e desesperado, vendo a destruição de tudo quanto havíamos construído ao longo dos anos.

Pouco depois a minha mulher resolveu abandonar a nossa família. Um dia, enquanto eu estava no trabalho, veio em casa buscar as suas coisas e brigou com as filhas maiores, de 15 e 17 anos. Não havia alternativa para mim, podia só aceitar a sua decisão, embora isto nos tenha causado enorme sofrimento.

Rezei e pedi a Deus: “Ajude-me você! Dê-me a força e a graça para vencer tudo!” Tinha a certeza do Seu amor.

Etta: E como fez para continuar a acreditar no Seu amor?

Amauri: Não foi fácil. Pedi ajuda também a minha irmã, focolarina, que me fez refletir sobre o quanto também Jesus não merecesse o sofrimento que passou: foi traído e sofreu a humilhação e o abandono do Pai. Ele, reconhecido e amado, me recolocou de pé, dia após dia, levando-me a uma escolha mais radical de Deus.

Fixando a mente e o coração em Deus, a minha dor encontrava significado e pelo alimento quotidiano da Eucaristia, devagar, nascia em mim um outro homem. Ao ódio do início se estava substituindo um sentimento de misericórdia. Finalmente consegui perdoar minha mulher.

Fazia parte de um núcleo onde encontrei a força para ir adiante.

Depois de um ano da separação, o Ideal iluminava cada dia mais a minha vida com os filhos e assim conseguia acolher as suas várias exigências do crescimento.

Para ter mais tempo disponível para eles, deixei o trabalho de engenheiro numa usina de cana de açúcar, que me ocupava muito, e montei uma pequena empresa. Fiz esta escolha sabendo que os nossos recursos econômicos diminuiriam, porque o trabalho anterior era bem retribuído, mas não temi.

Passados alguns anos, transferi-me para a Mariápolis Ginetta, a cidadela do Movimento dos Focolares no sul do Brasil, para radicar-me melhor na vida da Obra.

Olhando agora para quanto Deus operou em nós, estamos-Lhe profundamente gratos: as três filhas entraram no focolare e estão felizes, completamente realizadas nesta vida de total doação a Deus, enquanto o filho mais novo está concluindo a universidade.

Alberto: Temos aqui uma pessoa especial. Para termos a certeza de poder apresentar o seu depoimento de vida, nós a entrevistamos há alguns meses, por ocasião de uma visita que fez ao Centro Mariápolis de Castelgandolfo. Chiara Minestrina, de Trento, na Itália. Escutemos juntos a sua experiência.

“Esperar contra qualquer esperança”, poderia ser a síntese da sua vida Chiara. O que significou e o que significa ainda hoje, para você, o encontro com Jesus Abandonado?”

Chiara: Leio para você uma passagem do meu diário de alguns anos atrás. “Tateio nesta dolorosa escuridão, solitária e de lágrimas da alma, um grito silencioso que ultrapassa galáxias sem confins, voltadas para o alto num eco sem fim. Mas onde está você? Por que não fala? O que faz enquanto grito a minha dor, a minha fraqueza, a minha solidão? Cerre os dentes, dizia a mim mesma, e acredite, não obstante tudo. Acredite para além do inacreditável, do impossível, perder tudo. Nada, nada deve restar. Ouvia a minha alma chorar. Nada me restou, um nada repleto do tudo, Deus só”.

Alberto: Para compreender estas suas palavras poderia ser uma ajuda repercorrer alguns momentos da sua vida, Chiara?

Chiara: Concluídos os estudos, iniciei a trabalhar no hospital da minha cidade, em Trento, no norte da Itália, como enfermeira profissional. Apreciava tudo: viajar, tocar violão, fotografar, ler, estudar línguas, conhecer povos e culturas diferentes, escalar montanhas ou contemplar o mar, cantar ao redor da fogueira do acampamento, ou mesmo extasiar-me diante dos jogos de luz ocasionados pelo sol nas folhas de um bosque. Além disso havia programado ir a Fontem, nos Camarões, à nossa Cidadela, para enriquecer-me, porque desejava desenvolver a minha bagagem cultural e humana. Só que não tinha feito as contas com o imprevisto.

Tive uma reação violenta a um fármaco, inexplicável; cheguei a ser internada com urgência no setor do hospital em que eu trabalhava. A partir daí teve início um calvário feito de exames, internamentos, viagens a várias cidades, hospitais diferentes, tratamentos ou tentativas de tratamentos de todos os tipos, esperanças, expectativas, desilusões, fraqueza, mas sobretudo muita, muitíssima dor, que nem mesmo a morfina fazia passar, jamais conseguiu eliminar. A minha demolição física iniciou devagar e continua constantemente gota a gota no quotidiano.

Lembro o momento em que, pela última vez, coloquei o meu violão na capa. Chorava, porque intuía que era mesmo a última vez. As minhas mãos doíam demais e sabia que, cada piora era irreversível.

Noutra ocasião, por causa de um gravíssimo erro médico, corri o risco de perder uma perna. Naquela circunstância, com certeza, não teria mesmo agüentado sozinha. A frase de uma amiga de Ideal me ajudou deveras a não me afogar num desespero total. «Você sabe o que é esta dor. Carreguemo-la juntas, mas se você não agüentar, não se preocupe, nós a carregaremos por você». Naquele instante a situação do meu corpo não mudou, porém no íntimo toquei a força da unidade.

Alberto: Quanto lhe deve ter custado dizer sim a Jesus, ou melhor ao “sócio” como você diz ...

Chiara: Houve momentos em que foi tremendo Lhe dizer sim. Sim a perder o trabalho que muito amava, sim a ficar definitivamente nesta cadeira de rodas. Pensando bem, é uma coisa de loucos Lhe dizer sim, constantemente, tenazmente, continuamente. E’ de loucos atirar-se no vazio, confiando unicamente Nele, dando-Lhe carta branca, deixando-O agir. Não obstante, paradoxalmente, cada queda aparente no vazio, na escuridão, torna-se um mergulho na luz, e o meu sócio nunca deixa de me surpreender. Sabe, no ano passado, deu-me até a possibilidade de escrever um livro com o título “Cruel delicadíssimo amor”, onde narro esta experiência. E todos os dias recebo e-mails, cartas de pessoas que se abrem, se confidenciam, que voltam a esperar, graças a este sim radical que eu digo a Ele, ao meu sócio.

Além disso, Chiara Lubich esteve ao meu lado desde quando começou este calvário. Eu lhe escrevo muitas vezes, a coloco ao corrente, dando-lhe a minha alma, unindo-a à sua. E ela me responde, me ensina a conviver com Ele abandonado, no silêncio, na solidão, e a sorrir mesmo entre as lágrimas. Numa palavra, me ensina a estar de pé sozinha, forte, contudo, consciente da unidade a distância com ela.

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