Quarta-feira, 02 de fevereiro de 2011, 09h47
Leonardo Meira
Da Redação, com L'Osservatore Romano (em italiano - tradução de CN Notícias)
Desde o último dia 4 de janeiro, Dom João é o prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica*.
"A descoberta, através da experiência, de que Deus é amor e que nós somos criados à Sua imagem, poderá levar também os consagrados e as comunidades a afirmar: 'O outro, a outra, para mim, é uma oportunidade constante de experimentar a Deus, de experimentar o amor'", afirma.
Neste dia 2 de fevereiro, data litúrgica da Apresentação do Senhor no Templo, a Igreja comemora o Dia da Vida Consagrada.
Em entrevista ao jornal do vaticano L'Osservatore Romano, Dom João fala sobre o cenário atual da vida religiosa no mundo, com seus desafios e esperanças, suas experiências pessoais com movimentos eclesiais e laicais - especialmente os Focolares -, autonomia e dependência entre bispos e religiosos e o papel desempenhado pelos religiosos no desenvolvimento da teologia da libertação.
L'Osservatore Romano: O senhor não pertence a uma congregação religiosa. Acredita que isso possa ser algum tipo de barreira para o novo serviço que lhe espera?
Dom João Braz de Aviz: É a mesma observação que fez o Cardeal Tarcisio Bertone em 14 de dezembro passado, quando me chamou em nome do Papa. O secretário de Estado me respondeu dizendo que isso não criava nenhum problema. De fato, eu não pertenço a nenhum instituto religioso, ainda que tenha estudado sete anos no seminário menor do Pontifício Instituto das Missões Exteriores (Pime), em Assis, no Estado de São Paulo, de 1958 a 1964. Desde então, tive estreito contato com o Movimento dos Focolares e me aproximei das ordens e congregações cujos membros se inspiram na espiritualidade da unidade.
LOR: Teve contatos ou experiências com outros movimentos eclesiais e laicais?
Dom João: O movimento dos Focolares é a minha família desde quando tinha dezessete anos. Através da sua espiritualidade, em todas as dioceses onde estive – Vitória, Ponta Grossa, Maringá e Brasília –, sempre trabalhei pela unidade dos carismas, das comunidades e das associações, como resposta às preciosas orientações dadas por João Paulo II na carta apostólica Novo millennio ineunte.
LOR: Nos últimos anos, em particular após o Concílio Vaticano II, alguns sublinharam a crise da vida consagrada. De qual tipo de crise se trata?
Dom João: O Concílio Vaticano II pediu às ordens e congregações religiosas uma "atualização", que comportasse uma revisão das regras e das constituições, frente às novas circunstâncias culturais e históricas do século passado. O retorno às fontes, ou seja, ao coração do carisma dado à Igreja pelo fundador, e a atenção às novas circunstâncias, que comportavam diferentes sensibilidades, ofereceram a muitas famílias religiosas a oportunidade de se renovar e adquirir posterior vigor, com abundantes frutos. Hoje, várias ordens e congregações estão assistindo a uma diminuição das vocações, ao envelhecimento de seus membros e, em muitos casos, a uma diversidade de orientações no interior da própria família religiosa. Por outro lado, a influência do individualismo e do relativismo do nosso tempo alcançou, ao menos em parte, também alguns âmbitos da vida consagrada, diminuindo o seu vigor. Penso que seja, sobretudo, necessário penetrar mais a fundo no mistério de Deus, para poder renovar as relações. Nesse sentido, a carência teológica e mística de uma experiência da Santíssima Trindade como fonte da comunhão, levou a afirmações negativas sobre a vida comunitária. É o caso, por exemplo, dos consagrados que dizem: "A minha máxima penitência é a vida comum". A descoberta, através da experiência, de que Deus é amor e que nós somos criados à Sua imagem, poderá levar também os consagrados e as comunidades a afirmar: "O outro, a outra, para mim, é uma oportunidade constante de experimentar a Deus, de experimentar o amor".
LOR: A reafirmada autonomia das congregações religiosas com relação aos ordinários locais frequentemente levou, no passado, a recíprocas incompreensões. As visitas pastorais dos Pontífices, nos últimos trinta anos, contribuíram, de alguma forma, para melhorar as relações com os bispos?
Dom João: O sábio e atento magistério dos últimos Pontífices revelou uma base segura de caminho eclesial em um momento de novas descobertas e novas experiências. Autonomia e dependência são valores humanos que não podem ser compreendidos e construídos somente com critérios sociológicos. A experiência da fé faz-nos compreender e viver esses valores a partir do critério da comunhão, que tem as suas raízes no mistério da unidade e da trindade de Deus. Quando autonomia e dependência tornam-se experiência de amor, obediência e autoridade se equilibram e suscitam grande alegria interior.
LOR: Acredita que o "calcanhar de aquiles" das vocações seja expressão de um momento passageiro, ainda que difícil, ou é sinal sério de alarme para o futuro?
Dom João: Não são somente os religiosos e as religiosas que experimentam a diminuição das vocações. Trata-se de um fenômeno mais amplo e que não se manifesta de modo idêntico nas diversas partes do mundo. A Europa sente, de maneira particular, esse problema. À medida que a fidelidade dos batizados à sua vocação de discípulos crescer e, ao mesmo tempo, o seu testemunho for dado em comunhão com outros carismas e realidades da Igreja, a vitalidade reaparecerá.
LOR: A vida consagrada, no Brasil, teve um papel importante para o desenvolvimento e a evolução da teologia da libertação. Como o senhor viveu este longo tempo de pesquisa teológica e pastoral?
Dom João: A opção preferencial pelos pobres é uma opção evangélica da qual dependerá, antes de tudo, a nossa salvação. A sua descoberta e a sua construção por parte da teologia da libertação significaram um olhar sincero e responsável da Igreja ao vasto fenômeno da exclusão social. João Paulo II afirmou à época – através de carta enviada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e entregue ao Cardeal Gantin – que a teologia da libertação não é somente útil, mas também necessária. Naquele tempo, as duas instruções enviadas por Roma sobre o tema corrigiam questões ligadas ao uso do método marxista na interpretação da realidade. Penso que ainda não foi suficientemente completado o trabalho teológico para desvincular a opção pelos pobres da sua dependência de uma teologia da libertação ideológica, como advertiu recentemente Bento XVI. Um dos caminhos mais promissores, penso, consiste em aplicar à interpretação da realidade a antologia e a antropologia trinitárias. Pessoalmente, vivi os anos de nascimento da teologia da libertação com muita angústia. Estava em Roma para estudar teologia. Por pouco não abandonei a vocação sacerdotal e até mesmo a Igreja. O que me salvou foi o compromisso sincero com a espiritualidade da unidade no movimento dos Focolares. Os religiosos e as religiosas, com a radicalidade da sua vocação evangélica, poderão colaborar muito neste novo percurso.
LOR: O que podem esperar as irmãs e os religiosos da sua ação de governo e orientação?
Dom João: A vida consagrada é uma pérola de enorme valor. As ordenas e as congregações religiosas são palavras do Evangelho distribuídas ao longo de toda a história da Igreja. Das grandes experiências religiosas, nasceram famosas escolas de espiritualidade e, dessas, importantes escolas de teologia. A fidelidade aos fundadores e a comunhão profunda com a Igreja poderão devolver à vida consagrada um maior esplendor no serviço à própria Igreja e à humanidade.
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